Algumas ementas do informativo 590 do STF:
Brasília, 7 a 11 de junho de 2010 Nº 590
PLENÁRIO
MS e Reconhecimento de Legalidade de Incorporação de Quintos e Décimos pelo TCU
O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado pela União contra ato do Tribunal de Contas da União – TCU, consubstanciado em acórdão em que reconhecida a legalidade da incorporação aos vencimentos dos servidores federais das parcelas denominadas quintos e décimos no período compreendido entre 9.4.98 a 4.9.2001. O Min. Eros Grau, relator, não conheceu do writ. Asseverou, inicialmente, que o acórdão impugnado fora prolatado no âmbito de representação formulada pelo Ministério Público, julgada improcedente, limitando-se a firmar orientação no sentido de ser devida a incorporação das parcelas com fundamento no art. 3º da MP 2.225-45/2001, e que tal decisão seria meramente interpretativa, desprovida, portanto, de caráter impositivo ou cogente. Assim, a incorporação de qualquer parcela aos vencimentos dos servidores federais somente poderia ser feita pela Administração, à qual caberia acolher, ou não, o entendimento fixado pelo TCU. Em razão disso, reputou incidir, na espécie, a Súmula 266 do STF (“Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”). Afirmou que a ausência de efeitos concretos no ato impugnado denunciaria a falta de interesse de agir da impetrante. No ponto, observou que eventual concessão do writ não produziria qualquer resultado no que respeita à lesão ou ameaça a direito, haja vista que o provimento jurisdicional não teria o poder de anular ou inibir as incorporações determinadas pela Administração. Considerou, também, que o pedido seria juridicamente impossível, uma vez que não se poderia obrigar o TCU a acolher a representação formulada pelo Ministério Público por meio do mandado de segurança. Após, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes.
MS 25763/DF, rel. Min. Eros Grau, 9.6.2010. (MS-25763)
ADI: Aumento de Vencimentos e Efeitos Financeiros
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Verde – PV contra as Leis tocantinenses 1.866/2007 e 1.868/2007, que tornaram sem efeito o aumento dos valores dos vencimentos dos servidores públicos estaduais concedidos pelas Leis tocantinenses 1.855/2007 e 1.861/2007. A Min. Cármen Lúcia conheceu em parte do pedido, e, na parte conhecida, julgou-o procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 1.866/2007 e do art. 2º da Lei 1.868/2007. De início, a relatora assentou não ter havido prejuízo da ação. No mérito, entendeu que os dispositivos impugnados teriam afrontado os artigos 5º, XXXVI e 37, XV, da CF. Explicou que o art. 7º da Lei 1.855/2007 e o art. 6º da Lei 1.861/2007 seriam taxativos ao estabelecer que as leis entrariam em vigor na data de sua publicação, ou seja, 3.12.2007 e 6.12.2007, respectivamente. Aduziu que os efeitos financeiros relativos à aplicação dessas leis, isto é, o pagamento dos valores correspondentes ao reajuste dos subsídios previstos, é que ocorreriam a partir de 1º.1.2008. Assim, a partir do momento em que as leis que estabeleceram o aumento daqueles subsídios dos servidores entraram em vigor, com a publicação delas, a melhoria estipendial concedida teria se incorporado ao patrimônio jurídico dos agentes públicos. Frisou que o termo 1º.1.2008 não suspenderia a eficácia do direito, e sim o seu exercício, não havendo confusão entre vigência de leis e efeitos financeiros decorrentes do que nelas disposto. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffolli.
ADI 4013/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 9.6.2010. (ADI-4013)
ADI e Criação de Cargos em Comissão – 1
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único; art. 6º; das Tabelas II e III do Anexo II e das Tabelas I, II e III do Anexo III; e das expressões “atribuições”, “denominações” e “especificações” de cargos contidas no art. 8º da Lei tocantinense 1.950/2008, que, ao dispor sobre a organização da estrutura básica do Poder Executivo, criou mais de 35 mil cargos em comissão. Entendeu-se que a norma impugnada teria desrespeitado os princípios da proporcionalidade, ante a evidente desproporção entre número de cargos de provimento em comissão e os de provimento efetivo, e da moralidade administrativa, além de não observar o disposto no art. 37, V, da CF, haja vista que grande parte dos cargos criados referir-se-ia a áreas eminentemente técnicas e operacionais, não se revestindo de natureza de chefia, direção ou assessoramento, o que estaria a burlar, por conseguinte, a exigência constitucional do concurso público (CF, art. 37, II). Considerou-se, ademais, que o art. 8º da lei em questão, ao delegar ao Chefe do Poder Executivo poderes para, mediante decreto, dispor sobre as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado, teria deixado em aberto a possibilidade de o Governador, a pretexto de organizar a estrutura administrativa do Estado, criar novos cargos sem edição de lei, em afronta ao que disposto no art. 61, § 1º, II, a, da CF.
ADI 4125/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 9 e 10.6.2010. (ADI-4125)
ADI e Criação de Cargos em Comissão – 2
Por fim, tendo em conta que os cargos criados pela Lei 1.950/2008 constituem mais da metade dos cargos da Administração Pública do Estado do Tocantins, sendo que alguns se referem a atividades estatais essenciais aos cidadãos, que não poderiam ser onerados pela ausência da prestação em setores sensíveis como os da educação, da saúde e da segurança pública, fixou-se o prazo de 12 meses, a contar da data deste julgamento, a fim de que o Poder Executivo reveja as nomeações feitas quanto aos cargos criados pelas normas declaradas inválidas, desfazendo-as e substituindo-as pelo provimento dos cargos de igual natureza e de provimento efetivo vagos, mediante realização de concursos públicos ou pela criação de novos cargos, de provimento efetivo, para o desempenho das funções correspondentes às entregues a ocupantes de provimento comissionado com base na lei impugnada. Determinou-se, também, a remessa de cópia do processo e do acórdão ao Ministério Público estadual e ao Conselho Nacional do Ministério Público. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que não fixavam nenhum prazo. Alguns precedentes citados: ADI 2551 QO-MC/MG (DJU de 20.4.2006); RE 365368/SC (DJU de 29.6.2007); ADI 3706/MS (DJE de 5.10.2007); ADI 3233/PB (DJU de 14.9.2007); ADI 2661 MC/MA (DJU de 23.8.2002); ADI 3232/TO (DJE de 3.10.2008); ADI 3983/TO (DJE de 3.10.2008); ADI 3990/TO (DJE de 3.10.2008).
ADI 4125/TO, rel. Min. Cármen Lúcia, 9 e 10.6.2010. (ADI-4125)
Prazo para Registro de Aposentadoria e Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa – 5
O Tribunal retomou julgamento de mandado de segurança impetrado contra decisão do TCU que negara registro ao ato de aposentadoria especial de professor concedida ao impetrante por considerar indevido o cômputo de serviço prestado sem contrato formal e sem o recolhimento das contribuições previdenciárias — v. Informativos 415, 469 e 589. O Tribunal, tendo em conta o fato de que já se encaminha para a concessão da ordem, estando pendente apenas a definição da sua extensão, resolveu questão de ordem suscitada pela Min. Ellen Gracie, no sentido de deferir medida liminar para que sejam suspensos desde logo os efeitos do acórdão impugnado, até que o julgamento do writ possa ser finalizado, a fim de que não haja prejuízo à parte hipossuficiente, requerente do mandado de segurança.
MS 25116 QO/DF, rel. Min. Ayres Britto, 10.6.2010. (MS-25116)
Prazo para Registro de Pensão e Garantias do Contraditório e da Ampla Defesa – 2
Em razão de se tratar de matéria idêntica à acima relatada, o Tribunal, em questão de ordem suscitada pela Min. Ellen Gracie, também deferiu medida liminar em mandado de segurança para que sejam suspensos desde logo os efeitos de acórdão do TCU, que implicara o cancelamento da pensão especial percebida pela impetrante, até a proclamação do resultado do julgamento do writ — v. Informativo 484.
MS 25403 QO/DF, rel. Min. Ayres Britto, 10.6.2010. (MS-25403)
Posse Ilegal de Arma e Retificação de Registro
Ante a atipicidade da conduta, o Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra desembargador federal, denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 16 da Lei 10.826/2003 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito). Na espécie, no curso de investigação procedida pela Polícia Federal, fora apreendida na residência do paciente caneta-revólver de origem taiwanesa a qual não constaria do rol de registro no Ministério da Defesa. Reconheceu-se que a aludida caneta-revólver, de fato, estaria regularmente registrada perante o órgão competente, e que teria havido mero equívoco no que toca à menção de sua procedência, indevidamente consignada como de origem norte-americana, no certificado de registro de colecionador expedido em favor do paciente. Observou-se que esse erro material, inclusive, fora posteriormente corrigido pelo Ministério da Defesa. Concluiu-se que a mera divergência quanto à origem da fabricação da arma não seria suficiente para caracterizar o crime em questão, máxime não tendo sido localizado outro equipamento similar de origem diversa. Vencido o Min. Marco Aurélio que denegava a ordem.
HC 102422/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.6.2010. (HC-102422)
Assistente de Acusação e Legitimidade para Recorrer – 1
O Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, impetrado contra decisão do STJ que provera, em parte, o recurso especial interposto pelo assistente de acusação, determinando o prosseguimento do exame de sua apelação, superado o óbice quanto a sua ilegitimidade recursal. Na espécie, o assistente de acusação interpusera apelação contra a sentença que absolvera a paciente do delito de estelionato, cujo acórdão, que não conhecera do apelo em razão de o Ministério Público ter deixado transcorrer in albis o prazo recursal, ensejara a interposição do recurso especial — v. Informativo 585. Não se vislumbrou, no caso, ilegalidade ou abuso de poder no julgado do STJ, mas sim se reputou acatada a jurisprudência consolidada inclusive no Supremo no sentido de que o assistente da acusação tem legitimidade recursal supletiva, mesmo após o advento da CF/88. Mencionou-se, também, o Enunciado da Súmula 210 (“O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 589, do Código de Processo Penal”), o qual não teria sofrido qualquer restrição ou deixado de ser recepcionado pela nova ordem constitucional. Afirmou-se que, apesar de a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribuir ao Ministério Público a competência para promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei, ela teria abrandado essa regra, ao admitir, no seu art. 5º, LIX, a ação penal privada subsidiária da pública nos casos de inércia do parquet. Assim, o art. 5º, LIX, da CF daria o fundamento para legitimar a atuação supletiva do assistente de acusação nas hipóteses em que o Ministério Público deixasse de recorrer.
HC 102085/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.6.2010. (HC-102085)
Assistente de Acusação e Legitimidade para Recorrer – 2
Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que concediam a ordem. O Min. Marco Aurélio asseverou que o art. 5º, LIX, da CF só poderia ser acionado no caso de inércia do Ministério Público em promover a ação penal pública, o que não ocorrera no caso concreto, salientando o fato de o parquet ter, ainda, se manifestado, em alegações finais, no sentido de absolver a ré. Reputou não ser admissível que uma ação que nascesse penal pública incondicionada se transformasse, na fase recursal, em ação penal privada. O Min. Cezar Peluso, por sua vez, ao enfatizar que recorrer é apenas uma etapa da ação, que é um estado contínuo de prática de atos, só podendo ser reconhecido como direito de quem seja titular da ação, concluiu que o assistente penal, por não ser titular de ação penal nenhuma, não poderia recorrer. Com base nisso, o Min. Cezar Peluso deu interpretação conforme ao art. 584, § 1º, e ao art. 598, ambos do CPP, no sentido de reconhecer que a possibilidade de recurso é apenas assegurada ao querelante e não ao assistente de acusação.
HC 102085/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.6.2010. (HC-102085)
PRIMEIRA TURMA
Audiência de Oitiva de Testemunhas e Presença de Réu Preso
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual se pretendia a nulidade de audiências de oitiva de testemunhas de acusação efetuadas por carta precatória sem a presença do paciente que, custodiado na Penitenciária de Presidente Venceslau/SP por condenação em outro processo, tivera denegado seu pedido de requisição para comparecimento aos juízos deprecados em Jacarezinho/PR e Siqueira Campos/SP. Inicialmente, salientou-se que o tema já fora objeto de análise pelo STF em diversas oportunidades, tendo a Corte firmado o entendimento no sentido de que a ausência de requisição de réu preso para oitiva de testemunhas efetuadas em comarca diversa constituiria nulidade relativa. Em seguida, consignou-se que para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, seria necessária a demonstração do prejuízo. Aduziu-se que a defesa requerera a requisição do réu para audiência de oitiva de testemunhas de acusação logo após a intimação da expedição das cartas precatórias, sem insurgir-se, no momento oportuno, contra a decisão que a denegara. No tocante à demonstração do prejuízo, registrou-se que a sentença condenatória já fora anulada pela Turma, em virtude de o interrogatório do paciente ter sido realizado, com base em provimento do TRF da 4ª Região, por meio de videoconferência. Assim, tendo em conta que o feito estaria aguardando novo interrogatório, enfatizou-se que não se poderia afirmar acerca dos fundamentos de um decreto condenatório ainda inexistente. Salientou-se, ademais, que a defesa do paciente estivera presente e participara ativamente das audiências, exercendo de modo pleno o direito ao contraditório e à ampla defesa. Por fim, mencionou-se que o indeferimento questionado fora devidamente motivado pelo magistrado, que assentara, inclusive, a periculosidade e audácia do paciente, além do risco de fuga nesse deslocamento. Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por reputar que o direito de defesa deveria ter sido viabilizado até a exaustão, já que o paciente articulara a nulidade em tempo oportuno, qual seja, na fase a que aludia o revogado art. 500 do CPP e que o prejuízo seria ínsito no que indeferido requerimento formalizado pela defesa.
HC 100382/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 8.6.2010. (HC-100382)
Provimento Derivado de Cargo e Concurso Público – 1
A Turma desproveu recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra acórdão do STJ que denegara pleito de transposição do cargo de técnico administrativo nível superior para assistente jurídico da Advocacia-Geral da União – AGU. Aquela Corte entendera que o impetrante não preenchera o requisito legal relativo ao exercício de cargo privativo de bacharel em Direito. No caso, o recorrente ingressara nos quadros da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, em 1979, no cargo de datilógrafo. Em 1990, quando ocupava o cargo de técnico de nível superior e a função de confiança de diretor administrativo-financeiro, fora demitido em virtude da liquidação da empresa. Ocorre que, em 2006, o recorrente fora reintegrado ao serviço público, no cargo de técnico de nível superior do Ministério dos Transportes, por força de decisão prolatada pelo STJ. Ele então requerera, administrativamente, sua transposição para a AGU ao argumento de que, nesse ínterim, concluíra o curso de Direito (17.12.92) e exercia atividades eminentemente jurídicas. Ante o insucesso de seu requerimento, impetrara mandado de segurança perante o STJ em que pretendia o reconhecimento do tempo de exercício de advocacia, desde o seu bacharelado até a reintegração, para efeito de transposição de cargos prevista no art. 19-A da Lei 9.028/95 [“Art. 19-A. São transpostos, para a Carreira de Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União, os atuais cargos efetivos da Administração Federal direta, privativos de bacharel em Direito, cujas atribuições, fixadas em ato normativo hábil, tenham conteúdo eminentemente jurídico e correspondam àquelas de assistência fixadas aos cargos da referida Carreira, ou as abranjam, e os quais: … II – tenham como titulares servidores, estáveis no serviço público, que: a) anteriormente a 5 de outubro de 1988 já detinham cargo efetivo, ou emprego permanente, privativo de bacharel em Direito, de conteúdo eminentemente jurídico, nos termos do caput, na Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, conforme as normas constitucionais e legais então aplicáveis; b) investidos após 5 de outubro de 1988, o tenham sido em decorrência de aprovação em concurso público ou da aplicação do § 3º do art. 41 da Constituição. …”].
RMS 28233/DF, rel. Min. Ayres Britto, 8.6.2010. (RMS-28233)
Provimento Derivado de Cargo e Concurso Público – 2
Inicialmente, superou-se preliminar de decadência suscitada da tribuna pela União. Aduziu-se, contudo, que a questão não fora formulada nos autos e, além disso, o STJ não examinara a matéria. No mérito, ressaltou-se que o recorrente progredira no interior dos quadros estatais, se considerado que começara como datilógrafo e, sem concurso público, chegara a cargo de técnico de nível superior pela obtenção de diploma em curso superior de Economia. Assim, tal graduação já lhe valera, automaticamente, para mudar de cargo e se movimentar verticalmente na Administração. Ademais, tendo em conta que o recorrente concluíra o curso de Direito após a promulgação da CF/88 — na qual prevista que a investidura em cargo público depende de prévia aprovação em concurso público —, rejeitou-se a tese por ele sustentada no sentido de que, pelo fato de estar fora dos quadros estatais e exercer advocacia e pela obtenção posterior de grau de bacharel, esse tempo deveria ser reconhecido para efeito de transposição do seu cargo.
RMS 28233/DF, rel. Min. Ayres Britto, 8.6.2010. (RMS-28233)
SEGUNDA TURMA
Fixação de Preços de Medicamentos e Valores Diferenciados – 1
A Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em mandado de segurança no qual se discute a fixação de preços de medicamentos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, uma vez que estabelecido preço máximo inicial de determinado medicamento em patamar 30% inferior ao deferido para medicamento com a mesma aplicação terapêutica, porém fabricado a partir de princípio ativo distinto. A empresa produtora do fármaco alega a inconstitucionalidade da delegação de competência para a CMED dispor sobre a fixação de preços de novos medicamentos, bem como a violação aos princípios da isonomia e da livre concorrência, na medida em que criada situação de desvantagem competitiva em relação à sua concorrente. O Min. Eros Grau, relator, preliminarmente, asseverou que o caso não consubstanciaria hipótese de litisconsórcio passivo necessário, porquanto o provimento jurisdicional requerido não atingiria a esfera de direitos da concorrente da impetrante no mercado.
RMS 26575/DF, rel. Min. Eros Grau, 8.6.2010. (RMS-26575)
Fixação de Preços de Medicamentos e Valores Diferenciados – 2
No mérito, por considerar transgredidas as regras constitucionais da igualdade e da livre concorrência, o relator proveu o recurso para anular a decisão do Conselho de Ministros da CMED quanto à fixação do preço máximo inicial do medicamento produzido pela recorrente. De início, rejeitou a primeira assertiva da recorrente ao afirmar a constitucionalidade dos regulamentos autorizados no quadro do direito positivo pátrio. No tocante ao segundo argumento, o relator assinalou que, quando da fixação do preço do medicamento em questão, a CMED utilizara critérios estabelecidos na sua Resolução 2/2004, haja vista que o produto fora classificado na “Categoria II”, porque reputado produto novo que não apresentaria vantagem em relação aos medicamentos existentes para a mesma indicação terapêutica. Assim, o preço fora determinado a partir do disposto no art. 6º daquela portaria, tendo como base o custo de tratamento com os medicamentos utilizados para a mesma indicação terapêutica, não podendo ser superior ao menor preço praticado nos países nela mencionados. Ocorre que a Espanha fora o único país em que o medicamento em tela seria comercializado, o que implicara preço inferior ao custo do tratamento com o produto de empresa concorrente. Por outro lado, o Min. Eros Grau registrou que o medicamento da empresa concorrente tivera seu preço definido de acordo com os critérios da Resolução 13/2001 (art. 4º) da extinta Câmara de Medicamentos – CAMED, que vigorava na época, e previa que os produtos novos teriam seu preço inicial definido a partir do custo de tratamentos alternativos, não podendo ultrapassar a média do preço fabricante praticado nos mercados internos dos países por ela especificados. Desse modo, o preço do produto concorrente fora apurado a partir da média dos praticados na Itália e na França, países que o comercializavam.
RMS 26575/DF, rel. Min. Eros Grau, 8.6.2010. (RMS-26575)
Fixação de Preços de Medicamentos e Valores Diferenciados – 3
O relator concluiu que teriam sido adotados critérios distintos para a fixação dos preços, atribuídos ao mesmo medicamento, a serem praticados pela recorrente e por sua concorrente direta. Salientando a necessária neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, aduziu que a ação estatal sobre o mercado deve alcançar de maneira uniforme os produtos que disputem entre si a preferência do consumidor. Ademais, assentou que a utilização da diferença entre princípios ativos pelos agentes econômicos produtores de fármacos seria insignificante quando se tratasse de concorrência, no mercado, entre produtos com idêntica aplicação terapêutica. Consignou que a utilização desse critério — o do princípio ativo de medicamentos com idêntica aplicação terapêutica — não se prestaria a justificar a fixação de preço inicial, para um deles, que conduzisse outro agente econômico à situação de desvantagem competitiva na disputa pelo mercado interno, mas atuaria como freio, opondo obstáculo à inovação, a qual seria da essência do modo de produção contemplado pela Constituição, inerente à noção de desenvolvimento capitalista. Registrou, por fim, que a própria autoridade coatora, ao prestar informações, declarara a identidade de aplicação terapêutica dos medicamentos. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.
RMS 26575/DF, rel. Min. Eros Grau, 8.6.2010. (RMS-26575)
Busca e Apreensão: Escritório de Advocacia e Erro de Endereço – 1
Mandado judicial de busca e apreensão em escritório de advocacia não pode ser expedido de modo genérico, em aberto, sem objeto definido, mas sim de forma delimitada, restrita ou fechada, mesmo sendo o advogado investigado. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para declarar a nulidade das provas apreendidas no escritório de advocacia do paciente. Tratava-se de writ impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB em favor de Conselheiro Federal contra decisão de Ministra do STJ que, nos autos de inquérito do qual relatora, deferira busca e apreensão em imóvel de propriedade do paciente e decretara sua prisão preventiva. A Polícia Federal, ao chegar ao local indicado como residência do paciente, constante do mandado, percebera tratar-se do escritório de advocacia do investigado, razão por que de imediato comunicara o fato à OAB, antes de proceder à diligência. Essa circunstância fora conhecida da autoridade apontada como coatora somente quando da oitiva do paciente em juízo.
HC 91610/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, 8.6.2010. (HC-91610)
Busca e Apreensão: Escritório de Advocacia e Erro de Endereço – 2
Enfatizou-se, de início, que embora genérica a fundamentação da decisão impugnada, a Ministra relatora indicara a prova que desejava ver recolhida (escopo da diligência), sem contudo especificá-la. Assim, não haveria como ser reconhecida a nulidade do decreto, haja vista a inexistência de nulidades na pouca explicitação dos objetos a serem recolhidos durante a realização do ato que era dirigido à busca e apreensão na residência do paciente. Por outro lado, reputou-se que seria nula a sua execução, porquanto o endereço anotado no decreto era profissional, e não residencial, demandando a busca e apreensão em escritório de advocacia uma especificidade muito maior, que não fora observada. Reconheceu-se, pois, a nulidade procedimental, pelo fato de os integrantes da Polícia Federal terem cumprido a diligência sem a anterior e indispensável comunicação do equívoco, quanto à natureza do local do cumprimento, à Ministra relatora, o que não lhe propiciara a oportunidade de delimitar o objeto do mandado judicial de busca e apreensão. Por derradeiro, assentou-se não ser jurídica e nem se justificar em um Estado Democrático de Direito uma devassa indiscriminada para recolher objetos que nenhum interesse possuíam para a causa. Ainda consignou-se que, dos documentos apreendidos, apenas dois permaneceriam no corpo do inquérito, sendo os demais devolvidos ao escritório. Determinou-se que as provas obtidas devem ser desentranhadas dos autos de inquérito que tramita no STJ e devolvidas ao paciente, sem que se possa usar qualquer de suas informações na investigação, em relação ao paciente ou a qualquer outro investigado.
HC 91610/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, 8.6.2010. (HC-91610)
Inépcia da Denúncia e Questão Prejudicial – 1
Por reputar atendidas as exigências formais e materiais contidas no art. 41 do CPP, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia, ante a alegação de inépcia da denúncia, a declaração de nulidade de ação penal instaurada em desfavor de administrador de empresa que, nessa qualidade, fora denunciado como incurso nas sanções do art. 1º, II e V, da Lei 8.137/90, c/c o art. 29 do CP, em continuidade delitiva, pelo fato de supostamente ter omitido a saída de mercadorias da empresa para não recolher o imposto devido sobre a circulação. A impetração, tendo em conta o depósito integral dos valores exigidos pela Fazenda estadual, requeria, subsidiariamente, a suspensão do aludido feito, haja vista se encontrar suspensa a exigibilidade do crédito tributário. Para tanto, pleiteava a aplicação de interpretação analógica do art. 9º da Lei 10.684/2003 ou o reconhecimento da prejudicial externa ao caso, visto que em curso ação cível anulatória, na qual se busca a anulação de auto de infração fiscal objeto do presente writ (Lei 10.684/2003: “Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”).
HC 101754/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 8.6.2010. (HC-101754)
Inépcia da Denúncia e Questão Prejudicial – 2
Considerou-se que a conduta do paciente estaria suficientemente individualizada para se concluir por um juízo positivo de admissibilidade da imputação feita na denúncia. Mencionou-se ser irrelevante a assertiva no sentido de que o paciente teria permanecido em São Paulo, sendo a contabilidade da empresa exercida pelo co-réu em Pernambuco, uma vez que a distância não impediria o exercício de seu poder de gerência sobre a empresa. Relativamente à legislação invocada pelo paciente, salientou-se que, na espécie, não houvera a adesão da empresa a programa de parcelamento de tributos. Assinalou-se a inexistência de cláusula genérica (interpretação analógica) ou lacuna a ser suprida (analogia) na situação em apreço, que pudesse implicar a aplicação do art. 9º da Lei 10.684/2003. Além disso, asseverou-se que, na espécie, para se evitar o jus puniendi estatal, o paciente deveria ter realizado o pagamento do tributo devido antes do recebimento da denúncia (Lei 9.249/95). Não se conheceu do writ no tocante ao argumento de questão prejudicial externa (CPP, art. 93), já que não enfrentada pelo STJ. Aduziu-se, contudo, que, mesmo que superado tal óbice, o reconhecimento da presença de questão prejudicial externa ensejaria uma facultativa suspensão do curso do processo penal, de competência do juízo processante. HC 101754/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 8.6.2010. (HC-101754)
Reforma Agrária – Imóvel Rural – Invasão por Movimento Social Organizado – Esbulho Possessório (Transcrição)
(v. Informativo 587)
MS 25493/DF*
RELATOR: Min. Marco Aurélio
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço licença a Vossa Excelência, Senhor Presidente, e, também, aos eminentes Ministros, para antecipar o meu voto, que acompanha aqueles que acabam de ser proferidos pelos Ministros MARCO AURÉLIO, Relator, e GILMAR MENDES.
Tenho salientado, em votos proferidos no Supremo Tribunal Federal, que não se pode desconsiderar o fato relevantíssimo de que vivemos sob um regime constitucional cujos fundamentos, estruturados em bases democráticas, garantem a intangibilidade do direito de propriedade (embora este não possua caráter absoluto), ao mesmo tempo em que disciplinam o procedimento de expropriação dos bens pertencentes ao patrimônio privado.
Não questiono a necessidade de execução, no País, de um programa de reforma agrária, cuja implementação se faz inadiável e essencial à superação dos conflitos fundiários e à viabilização do acesso dos despossuídos à propriedade da terra.
É que o acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem, inegavelmente, elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – enquanto sanção constitucional ao descumprimento da função social da propriedade (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 281, item n. 13, 32ª ed., 2009, Malheiros) – reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social.
Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade.
É importante reafirmar que o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República.
Nada justifica, porém, o emprego ilegítimo do instrumento expropriatório, quando utilizado pelo poder estatal com evidente transgressão aos princípios e normas que regem e disciplinam as relações entre as pessoas e o Estado. Não se pode perder de perspectiva, por mais relevantes que sejam os fundamentos da ação expropriatória do Estado, que este não pode – e também não deve – desrespeitar a cláusula do “due process of law”, que condiciona qualquer atividade do Estado tendente a afetar, dentre outros direitos, aquele que concerne à propriedade privada.
Essa mesma advertência também se impõe a quaisquer particulares, movimentos ou organizações sociais que visem, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de imóveis rurais, a pressionar e a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para efeito de execução do programa de reforma agrária.
É que tais atividades são claramente desenvolvidas à margem da lei e praticadas com evidente desprezo aos princípios que informam o sistema jurídico.
Desse modo, não se pode ignorar que a Constituição da República, após estender, ao proprietário, a cláusula de garantia inerente ao direito de propriedade (art. 5º, XXII), proclama que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
Cumpre assinalar, por isso mesmo, que a destituição dominial que incida sobre o proprietário de qualquer bem não prescinde – enquanto medida de extrema gravidade que é – da necessidade de observância estatal das garantias inerentes ao “due process of law”, consoante observa autorizado magistério doutrinário (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/284-285, 3ª ed., 2004, Saraiva).
Não custa enfatizar, bem por isso, que a União Federal – mesmo tratando-se da execução e implementação do programa de reforma agrária – não está dispensada da obrigação, que é indeclinável, de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os postulados constitucionais, que, especialmente em tema de propriedade, protegem as pessoas e os indivíduos contra a eventual expansão arbitrária do poder.
Essa asserção – ao menos enquanto subsistir o sistema consagrado em nosso texto constitucional – impõe que se repudie qualquer medida que importe em arbitrária negação ou em injusto sacrifício do direito de propriedade, notadamente quando o Poder Público se deparar, como no caso ora em exame, com atos de espoliação ou de violação possessória.
Impende considerar, na análise dessa questão, as ponderações feitas pelo eminente e saudoso Professor MIGUEL REALE (“Liberdade e Democracia”, p. 2, “O Estado de São Paulo”, de 10/06/2000), que, em magistério irrepreensível, destaca a necessidade de respeito ao império do Direito e da lei:
“Tem-se pretendido justificar os atos violentos perpetrados pelo Movimento dos Sem Terra (MST) com a invocação da liberdade na democracia, de tal modo que seriam ilícitas e reprováveis as medidas governamentais destinadas a manter a ordem pública, assegurando os direitos das vítimas dos atentados. Nada mais absurdo que tal assertiva.
Em verdade, no regime democrático a liberdade jamais poderia significar a faculdade de fazer o que bem se entende, porquanto ela é um bem comum de caráter universal, de tal modo que a ação dos cidadãos pressupõe o respeito mútuo dos direitos e prerrogativas de cada um.
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Assim sendo, não há como legitimar, à luz da liberdade, a invasão de terras a pretexto de não estarem sendo devidamente cultivadas por seus proprietários. É para assegurar o cumprimento dos deveres que assiste a todos o direito de representação ao Estado, no caso de uma propriedade rural não estar atendendo à sua função social, reclamando sua desapropriação para fins de reforma agrária. O que não é lícito aos indivíduos nem a nenhum grupo social é converter-se em juiz da questão, invadindo desde logo as terras para nelas assentar agricultores (…).
Em boa hora, o Direito Constitucional brasileiro foi enriquecido pelo princípio em vigor no Common Law, e consagrado pelo inciso LIV do artigo 5º da Constituição, segundo o qual ‘ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal’.
Isto posto, no caso de apossamento manifestamente ilegal feito pelo MST, seja de terras, seja de edifícios públicos, não se pode negar ao Estado o emprego da Polícia Militar para manter a ordem, restituindo o bem espoliado.
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Quando se pensa o contrário, justificando atos de espoliação, é que já se deixou de raciocinar nos termos da lei, mas, sim, em função de motivos ideológicos, ou seja, das leis futuras que se pretende instaurar pela força, segundo aspirações que nada têm que ver com a democracia (…).
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Como se vê, a liberdade que a democracia assegura é a exercida na forma da lei, sendo sábio o antigo brocardo ‘ubi lex, ibi libertas’, ou, por outras palavras, não há liberdade fora da lei. Isso é da essência da democracia (…).” (grifei)
O exercício arbitrário das próprias razões, ainda que praticado para satisfazer pretensão eventualmente legítima, encontra repulsa no ordenamento jurídico, especialmente quando os atos que ofendem direitos de terceiros configuram medidas caracterizadoras de violação possessória, valendo relembrar, neste ponto, que o esbulho possessório – mesmo tratando-se de propriedades alegadamente improdutivas – constitui ato revestido de ilicitude jurídica.
Nada pode justificar o desrespeito à autoridade das leis e à supremacia da Constituição da República.
O fato, Senhor Presidente, é que a exigência de respeito à lei e à autoridade da Constituição da República representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta, depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento positivo nacional.
O esbulho possessório, além de qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como ato criminoso (CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/66, art. 20).
Esse dado, a meu juízo, assume relevo indiscutível, pois não se pode ignorar que os atos reveladores de violação possessória, além de instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas, quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da declaração expropriatória.
Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhor Presidente, que a necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de invocação da tutela jurisdicional do Estado – que configuram valores essenciais em uma sociedade democrática – devem representar o sopro inspirador da harmonia social, significando, por isso mesmo, um veto permanente a qualquer tipo de comportamento cuja motivação derive do intuito deliberado de praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade das leis da República.
Os fundamentos em que se apóia esta impetração justificam a concessão do mandado de segurança, especialmente se se tiver presente a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame, em decisões proferidas a propósito de declarações expropriatórias de imóveis rurais objeto de esbulho possessório.
Em tais decisões, esta Corte Suprema – considerado, notadamente, o julgamento plenário da ADI 2.213-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, em que se reconheceu, em juízo de delibação, a plena legitimidade constitucional do art. 2º, § 6º, da Lei nº 8.629/93, na redação dada pela MP nº 2.183-56 de 24/08/2001 – tem advertido que o esbulho possessório, enquanto subsistir (e até dois anos após a desocupação do imóvel rural invadido por movimentos sociais organizados), impede que se pratiquem atos de vistoria, de avaliação e de desapropriação da propriedade imobiliária rural, por interesse social, para efeito de reforma agrária, pois a prática da violação possessória, além de configurar ato impregnado de evidente ilicitude, revela-se apta a comprometer a racional e adequada exploração do imóvel rural, justificando-se, por isso mesmo, a invocação da “vis major”, em ordem a afastar a alegação de descumprimento da função social (RTJ 182/545, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RTJ 187/910, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.563/GO, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.g.):
“- CONSTITUCIONAL. AGRÁRIO. REFORMA AGRÁRIA: DESAPROPRIAÇÃO. IMÓVEL INVADIDO: ‘SEM-TERRA’.
I. – Imóvel rural ocupado por famílias dos denominados ‘sem-terra’: situação configuradora da justificativa do descumprimento do dever de tornar produtivo o imóvel. Força maior prevista no § 7º do art. 6º da Lei 8.629/93. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
II. – Mandado de segurança deferido.”
(RTJ 188/131, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
O Supremo Tribunal Federal, Senhor Presidente, ao extrair conseqüências jurídicas do esbulho possessório praticado por terceiros, ainda que organizados em movimentos coletivos, teve presente – em casos nos quais invalidou a declaração expropriatória emanada do Presidente da República – a circunstância excepcional ora referida.
Esta Suprema Corte, por mais de uma vez, pronuncian¬do-se sobre a questão específica do esbulho possessório, executado, mediante ação coletiva, por movimentos de trabalhadores rurais, não hesitou em censurar essa prática ilícita, ao mesmo tempo em que anulou o decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória de imóveis rurais, pois, com a arbitrária ocupação de tais bens, não mais se viabiliza a realização de vistoria destinada a constatar se a propriedade invadida teria atingido, ou não, coeficientes mínimos de produtividade fundiária.
É que a prática ilícita do esbulho possessório, quando afetar (ou não) os graus de utilização da terra e de eficiência em sua exploração, comprometendo (ou não) os índices fixados por órgão federal competente, qualifica-se, sempre, em face dessa anômala situação, como hipótese configuradora de força maior, constituindo, por efeito da incidência dessa circunstância excepcional, causa inibitória da válida edição do decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória, por interesse social, para fins de reforma agrária, especialmente naqueles casos em que o coeficiente de produtividade fundiária – revelador do caráter produtivo da propriedade imobiliária rural e assim comprovado por registro constante do Sistema Nacional de Cadastro Rural – vem a ser descaracterizado como decorrência direta e imediata da ação predatória desenvolvida pelos invasores, cujo comportamento, frontalmente desautorizado pelo ordenamento jurídico, culmina por frustrar a própria realização da função social inerente à propriedade.
Esse entendimento – que identifica, no ato de esbulho possessório, causa impeditiva de declaração expropriatória do imóvel rural, para fins de reforma agrária (RTJ 182/545, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RTJ 183/171, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – MS 23.323/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.) – acentua que a ocupação ilícita da propriedade imobiliária, notadamente nos casos em que esta se faz de modo coletivo, além de impedir, injustamente, que o proprietário nela desenvolva regular atividade de exploração econômica, representa motivo legítimo que justifica, ante o caráter extraordinário de tal anômala situação, a impossibilidade de o imóvel invadido atender os graus mínimos de produtividade exigidos pelo ordenamento positivo, para, desse modo, poder realizar a função social que lhe é inerente.
Esse particular aspecto da questão resultou evidenciado, quando do julgamento plenário, por esta Suprema Corte, do MS 22.666/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO (RTJ 175/921), ocasião em que o Tribunal anulou declaração expropriatória que incidira sobre imóvel rural cujas atividades foram injustamente paralisadas, por efeito de esbulho possessório praticado, coletivamente, por movimento de trabalhadores rurais.
O acórdão consubstanciador desse julgamento está assim ementado:
“REFORMA AGRÁRIA. IMÓVEL RURAL. DECRETO QUE O DECLAROU DE INTERESSE SOCIAL, PARA ESSE FIM. ALEGADA AFRONTA AO ART. 185, II, DA CONSTITUIÇÃO.
Imóvel que cumpriu sua função social até ser invadido por agricultores ‘sem-terra’, em meados de 1996, quando teve suas atividades paralisadas.
Situação configuradora da justificativa da força maior, prevista no § 7º do art. 6º da Lei nº 8.629/93, que tem por efeito tornar o imóvel insuscetível de desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária.
Mandado de segurança deferido.” (grifei)
Essa mesma orientação foi reiterada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 22.328/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO (RTJ 163/984-985), que reconheceu a invalidade da declaração expropriatória de imóvel rural, comprometido, em razão do esbulho possessório que injustamente o atingira, na consecução dos índices adequados de produtividade compatíveis com as exigências estipuladas em lei, considerados, para esse efeito, os cálculos do GUT (grau de utilização da terra) e do GEE (grau de exploração econômica):
“DECRETO QUE DECLAROU DE INTERESSE SOCIAL, PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA, O IMÓVEL RURAL DENOMINADO ‘FAZENDA INGÁ’, NO MUNICÍPIO DE ALVORADA DO SUL, PARANÁ.
Procedência da alegação de que a ocupação do imóvel pelos chamados ‘sem terra’ em 1991, ano em que os impetrantes se haviam investido na sua posse, constituindo fato suficiente para justificar o descumprimento do dever de tê-lo tornado produtivo e tendo-se revelado insuscetível de ser removido por sua própria iniciativa, configura hipótese de caso fortuito e força maior previsto no art. 6º, § 7º, da Lei nº 8.629/93, a impedir a classificação do imóvel como não produtivo, inviabilizando, por conseqüência, a desapropriação.
Mandado de segurança deferido.” (grifei)
Todas essas razões, Senhor Presidente, levam-me a acompanhar o douto voto proferido pelo eminente Relator, motivo pelo qual também concedo o mandado de segurança ora impetrado, para o efeito de invalidar o decreto presidencial veiculador da declaração expropriatória que incidiu, para fins de reforma agrária, sobre o imóvel rural denominado “Fazenda Tingui”, localizado nos municípios de Malhador, Santa Rosa e Riachuelo, no Estado de Sergipe.
É o meu voto.
*julgamento pendente de conclusão
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